Cyberbullying: humilhação pela internet não deve ser vista como brincadeira de criança
Claudio R. S. Pucci
Luciana é uma adolescente que acha que a vida online é bem mais interessante que a
real e passa horas na frente do computador. Até a hora que começa a ser vítima de ataques de um colega de escola, através de torpedos a seu celular e e-mails agressivos. Luciana é uma das personagens de A Face Oculta - Uma História de Bullying e Cyberbullying de autoria da psicóloga e autora de mais de 20 livros Maria Tereza Maldonato. Ela pode ser ficcional, mas é baseada em muitos casos que a médica colheu em suas palestras com crianças e jovens.
Bullying é um termo em inglês que se refere a atos de agressão, sejam físicas ou psicológicas, geralmente repetitivas, praticadas por um indivíduo ou um grupo deles (os chamados "valentões") sobre outra pessoa com o objetivo de intimidar, humilhar e também se sobressair.
Com o advento dos recursos tecnológicos como celular, computador e internet, a coisa toda ganhou uma nova dimensão e a expressão evoluiu para o cyberbullying.
Maria Tereza conta dois casos reais que deixaram marcas profundas em suas vítimas. O primeiro de uma menina de 12 anos de idade, apaixonada pelo "gatinho" da classe que, de repente, começou a conversar com ela pela internet.
Em uma ocasião, tarde da noite, ele pediu para ver, através da webcam, o que havia por baixo do pijama e a menina mostrou os peitos. Mal sabia ela que o garoto fotografou a cena e, no dia seguinte, toda a classe já tinha visto a imagem.
Em outro caso, uma garota despertou a inveja dos colegas por ser a melhor aluna da classe. Estes combinaram pela internet de não aparecerem em sua festa de aniversário e o resultado foi uma comemoração vazia.
A psicóloga vem realizando palestras em todo o Brasil sobre os perigos do bullying e cyberbullying e conversou com o Terra sobre os efeitos da agressão e as formas de proteger os jovens.
Terra: A Face Oculta é voltado para que público especificamente?
Maria Tereza Maldonato: Ele vem sendo adotado nas escolas para alunos entre dez e 14 anos de idade. Faz parte de uma série de livros que estou escrevendo para adolescentes sobre construção da paz e qualidade de relacionamento, baseado em fatos reais e criando uma história de ficção.
Escrevi mostrando personagens como a vítima, o agressor e também a plateia, que é terceiro elemento da agressão, e que piora em muito a situação da vítima.
Eu estou vendo uma série de jovens que a vida se passa em torno das redes sociais, seja celular, computador etc. Aí o bullying, com acesso à tecnologia, se torna o cyberbullying e os efeitos são muito mais abrangentes e até mesmo catastróficos.
Então você considera o cyberbullying pior que o bullying tradicional?
Antigamente, a questão da agressividade, seja por apelidos depreciativos, exclusão, zombarias etc, quando estava circunscrito no ambiente escolar, já angustiava bastante, mas o aluno, a partir do momento em que ele chegava em casa, podia se sentir seguro. Com o cyberbullying, a provocação continua a qualquer hora do dia e da noite pelo celular ou no computador.
Mesmo porque a internet acaba garantindo o anonimato do agressor, não é?
A pessoa que faz o cyberbullying confia no anonimato da rede, mas muitas vezes não sabe que pode ser pego por um profissional de segurança da informação, que vai localizar o IP. E geralmente faz esses ataques sem saber que é crime.
Através do material usado, sejam os e-mails ameaçadores, perfis falsos criados para humilhar uma pessoa etc., pode-se abrir levar o caso à Delegacia de Crimes de Informática, e depois abrir um processo contra ele. Se for menor, a ação recai sobre os pais e responsáveis.
E os efeitos psicológicos sobre a vítima?
Para a vítima do cyberbullying, esta história é totalmente aterrorizadora porque foge ao controle. Muitas vezes o autor da agressão filma a vítima em situações constrangedoras que ele mesmo cria dentro da escola, coloca num site de vídeos, e espalha aos colegas, então esse efeito é devastador, pode ocasionar tentativas de suicídio ou depressão, e crises de pânicos.
A criança ou adolescente acaba não querendo mais ir à escola, quer mudar de turma, perde a capacidade de concentração, e derruba o rendimento escolar, além de sofrer profundamente.
E como as escolas podem agir nesses casos?
Os ministérios públicos da Paraíba e Santa Catarina já tomaram a iniciativa de fazer campanhas antibullying, com adesão de muitos estabelecimentos de ensino. Algumas escolas estão montando esses programas para justamente aumentar a consciência da equipe escolar, dos alunos e familiares sobre o uso responsável da internet.
Acontece que, pelo cyberbullying, as coisas não acontecem somente dentro dos muros do colégio, então a dificuldade de controle é enorme, por isso os programas têm que também focar na conscientização por parte dos pais. Eles têm de estar a par da navegação dos filhos e conversar muito sobre os riscos da internet
Nós abordamos recentemente o problema das pulseirinhas do sexo e diálogo também foi a melhor forma de prevenção. Está faltando isso nas famílias, um papo aberto entre pais e filhos?
Certamente, é o que mais falta. Sejam conversas abertas e esclarecedoras ou essa noção que a navegação para os adolescentes deve ser olhada.
Não se pode deixar o jovem fechado no seu quarto com seu laptop e webcam, e não ter noção do que está se passando. Como não se conversa a respeito, os pais não sabem dos riscos. Isso é um assunto prioritário hoje dentro das famílias.
Você acredita que os pais devam olhar, por exemplo, o perfil dos filhos no Orkut, como alguns professores fazem?
Sim, porque existe uma coisa chamada respeito à privacidade e outra que é proteção aos riscos, e os pais são responsáveis por essa proteção.
Mesmo porque muitos jovens estão mostrando suas intimidades nas redes sociais com declarações e fotos polêmicas, confere?
Mais um motivo para os pais esclarecerem os riscos com seus filhos. Lembre-se que a internet está se tornando também o paraíso dos pedófilos.
Você realiza palestras por todo o Brasil sobre o assunto. Qual é a reação da meninada a tudo isso?
É muito interessante, porque eu falo das três vertentes do bullying. Primeiro, o que leva uma pessoa a ser autor da agressão, e muitas vezes ele já foi a vítima e está se vingando ou ele acredita que ficará popular e poderoso agindo dessa maneira.
Nesse caso, mostramos outras formas que ele pode usar para se destacar e praticar a liderança. Com a questão da vítima, mostramos o que ela pode fazer para se proteger de outros ataques, para fazer frente ao que está acontecendo e fazer alianças que possam fortalecer as suas competências.
É o trabalho com a "plateia", como é importante que ela se una para inibir as ações do bullying, para fazer uma mudança de cultura, não apoiando o agressor. A meninada fica muito entusiasmada, conta situações onde foram vítimas e, surpreendentemente, alguns autores de bullying dão seu testemunho e confessam que já agiram errado, pedindo desculpas.
Essa coisa de liderança e popularidade conta alto nos adolescentes e pré-adolescentes, e estamos vendo aparecerem a cultura de seriado americano dos "populares" e "não-populares". Como lidar com isso?
Geralmente isso faz parte do ser aceito pelo grupo. Um dos temas mais comuns do bullying é o ataque às diferenças, alguém que é mais magro ou mais gordo que o normal, ou que usa óculos de alto grau ou colete ortopédico.
E eu desperto nas crianças e adolescentes a consciência de que não precisamos estar aprisionados em conceitos de como devemos ser segundo algum padrão relativo, porque estaremos xingando a nós mesmos.
Podemos nos aceitar do jeito que somos e buscar a beleza espontânea e não a do padrão. A gente está sendo conduzido a certos comportamentos porque não temos reflexão, caindo nos estereótipos de popularidade recheados de preconceitos.
Serviço
A face oculta - Uma história de bullying e cyberbullying de Maria Tereza Maldonado
Coleção Jabuti - Editora Saraiva - 96 páginas
Preço: R$ 23,80
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